Acompanhe uma entrevista realizada pelo assessor de comunicação da Geração Futuro, Romário Henrique, com a psicanalista Maria Eugênia Millet, professora de teatro e fundadora do Centro de Referência Integral de Adolescentes (CRIA), Salvador-BA. Ela conversa sobre Globalização e Identidade na pós-modernidade.
Equipe GF – Professora Maria Eugênia, é um prazer tê-la conosco aqui nesta conversa. Antes de tudo parabenizar seu trabalho no Centro de Referência Integral de Adolescentes e sua parceria com a Geração Futuro. Vamos falar a respeito da globalização e seus efeitos, já que o assunto parece influenciar bastante no nosso fazer teatral. Como fica a identidade das pessoas com esse fenômeno.
ME – Vejo a globalização como perversidade, como nos ensina e alerta o prof. Milton Santos. É, segundo o geógrafo, “o ápice do processo de internacionalização do mundo capitalista” que desenvolve técnicas avançadas, presididas pelas técnicas da informação, atreladas a um sistema político de hegemonia que gera perversidades: desemprego, pobreza, fome… Em todos os continentes há uma perversidade sistêmica produzida na lógica deste modo competitivo de mundo.
Equipe GF – Com a globalização o mundo aparenta estar cada vez menor. Os costumes, as tradições, crenças parecem se misturar. Como fica a identidade das pessoas neste mundo globalizado/pós-moderno? A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia? Existe um “eu” coerente?
ME – Não posso pensar, nem conceber uma identidade “unificada, completa, segura e coerente”. Isto é, sem duvida, uma fantasia. Fantasia cada vez mais recorrente nestes tempos de insegurança (agora sabemos que nós seres humanos estamos destruindo o planeta!). Por isso tantos livros de auto-ajuda, religiões novas e uma febre pela neuro-ciência e propostas de terapias para as doenças mentais com drogas mais potentes.
A questão da identidade neste mundo está ameaçada justamente por esta fantasia da unificação do ser humano que vai engendrando um ser menos humano, mais conformado e acomodado, reduzido em suas possibilidades inventivas. O ser humano é sempre incompleto, marcado pelo desejo.
Equipe GF – Segundo o teórico Stuart Hall, a “crise de identidade” faz parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. Que conclusões você obtém a respeito deste pensamento?
ME – Ainda não li Stuart Hall. Preciso! Vou pensar a partir do enunciado. Este abalo nos quadros de referência “desancora” as pessoas do mundo social. Este mundo globalizado tem sido impulsionado pela sociedade de consumo e sua mídia. Todos devem ser iguais. Se vestirem iguais, gostarem de coca-cola. Todos sabem o enredo da novela. O cabelo tem que ser liso. A ancoragem referida pressupõe expressão pessoal e de grupo, criação de culturas e preservação de memória.
A saúde, a alegria, a criação exigem o corpo que joga, o encontro entre pessoas, a invenção junto. As crianças não brincam mais, pelo menos nas grandes cidades. O corpo é reduzido à mente. A crise mostra a falta de chão, de base cultural para a expressão individual e coletiva. Mas muitas formas de subversão desta ordem emergem. Nada é totalizante. Tem muito teatro por aí e a juventude grita e dança.
Equipe GF – Nas experiências vividas com os jovens do CRIA, dentre outras, como é escrever um “quem sou eu”? Quais sentimentos geram ao se tratar destas questões? O que você percebe com tudo isso?
ME – É um desafio de linguagem, de expressão. É um exercício de chegar a um lugar que na verdade sabemos impenetrável, pois o “eu” é transitório, mutante, pulsional e pulsante. Exercício de se re-conhecer. É uma experiência estética, uma brincadeira séria com a palavra e com a imaginação. Por isso entra nas encenações, vira cena. É poesia. Por isso é bom e divertido fazer.
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